União Nacional da Bioenergia

Este site utiliza cookies para garantir que você obtenha a melhor experiência. Ao continuar navegando
você concorda com nossa política de privacidade. Política de Privacidade

Opinião

O e-fuel como opção para descarbonizar os transportes, por Sergio Eminente
Publicado em 27/03/2024 às 08h40
Foto Notícia
O setor de transportes é responsável por quase 20% das emissões globais de gases de efeito estufa. Além disso, a projeção é que esta frota continue crescendo nas próximas décadas, acompanhando o crescimento da população. A certeza deste crescimento coloca no horizonte o desafio da descarbonização do setor que, assim como os outros, precisa cumprir sua cota na redução da emissão de gases de efeito estufa.

Quando falamos de veículos de passeio, a eletrificação surge como a alternativa mais viável, tanto que a previsão é de um aumento de dez vezes na frota de veículos elétricos e híbridos, que devem saltar dos 40 milhões registrados em 2020 para cerca de 400 milhões em 2035. Além disso, avanços recentes em pesquisa e desenvolvimento indicam a possibilidade de eletrificação em modais antes considerados difíceis de eletrificar, como pequenos caminhões e, em alguns casos, aviões de curto alcance.

No entanto, não podemos esquecer que o setor envolve também os chamados veículos pesados, tais como aviões, navios de carga e caminhões. Aqui, falamos de modelos cuja eletrificação é inviável, já que exigem grandes quantidades de energia para percorrer longas distâncias, tornando a eletrificação complexa, pelos menos com as atuais tecnologias de baterias. Hoje, o alto custo e a baixa densidade energética das baterias são as principais barreiras para eletrificação nesses segmentos.

Desta forma, o grande desafio que se apresenta para a descarbonização do setor de transportes é encontrar um equilíbrio entre a escolha do combustível - considerando os requisitos técnicos de cada modal - e as características específicas de cada país ou região, como infraestrutura, dimensões geográficas e regulamentações. Nesse contexto, uma alternativa que vem se destacando é o uso de combustíveis sustentáveis, como biocombustíveis e combustíveis sintéticos (também chamados de e-fuels).

Resumidamente, os combustíveis sintéticos são produzidos a partir de reações químicas que permitem unir, por exemplo, gás carbônico e hidrogênio. A exemplo dos biocombustíveis, ele é considerado drop-in, ou seja, exige apenas pequenas adaptações nos motores de combustão interna e nenhuma modificação no sistema de armazenagem, tanto do veículo quanto do sistema de transporte e abastecimento nos postos. Isso o torna mais atraente do que o hidrogênio, que requer sistemas totalmente novos.

Os biocombustíveis são produzidos a partir de biomassa (como cana-de-açúcar, óleos vegetais e resíduos), enquanto os combustíveis sintéticos utilizam apenas energia, CO2 e hidrogênio. Por isso, os e-fuels oferecem vantagens, como a melhor eficiência no uso da terra e a não concorrência com terras agrícolas, evitando competição com a produção de alimentos. Além disso, em termos de emissões, os biocombustíveis reduzem em média 70% a 85% das emissões de gases de efeito estufa, enquanto os e-fuels, se produzidos com energia renovável, podem alcançar uma redução de até 99%.

Atualmente, os custos para produção de e-fuel são elevados, variando de três a cinco vezes o valor do combustível fóssil, devido à maturidade inicial de tecnologias como a produção de hidrogênio verde por meio da eletrólise e a captura e armazenamento de carbono. Essa diferença deve cair nas próximas décadas e iniciativas regulatórias podem contribuir para reduzir essa disparidade.

Até o momento, algumas abordagens nesse sentido têm sido implementadas ao redor do mundo como, por exemplo, taxação das emissões de carbono (por meio do Emission Trading Systems na Europa), apoio financeiro à construção de plantas de efuel (por meio do Inflation Reduction Act nos EUA) ou definição de percentuais mínimos de utilização de “sustainable aviation fuel” (SAF) nas aeronaves, com multas em caso de não conformidades (ReFuelEU na Europa).

Um dos viabilizadores para produção de e-fuels é a escolha de locais com alta disponibilidade de energia renovável, proximidade de mercados consumidores e uma indústria bem desenvolvida. Nesse sentido, o Brasil emerge como uma região estratégica para a produção desse tipo de combustível, com estimativas indicando um excedente de geração de energia elétrica nas próximas décadas, suficiente para produção de até 10 bilhões de litros de combustível em 2035, segundo projeções da Kearney.

O mercado potencial para combustíveis sintéticos pode gerar receita de US$ 12 bilhões para o Brasil dentro de 12 anos. Nesse contexto, o país estaria bem posicionado para fabricar gasolina, diesel e até querosene sintéticos devido ao preço competitivo de sua energia e à participação expressiva de fontes renováveis na matriz. Poderia, inclusive, posicionar-se para exportar combustível sintético.

Quando olhamos o SAF, que é o combustível usado em substituição ao querosene de aviação de origem fóssil, o mercado potencial está também em posição muito favorável. Companhias aéreas, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, estabeleceram metas de utilização de SAF em seus aviões, visando atingir o net zero em 2050. Para chegar lá, há metas intermediárias como, por exemplo, ter 10% do combustível utilizado sendo SAF em 2030. Esta representa um desafio significativo, pois, considerando as plantas de produção atuais ou as já anunciadas, estima-se uma lacuna entre 34 e 46 bilhões de litros de SAF para atender a demanda de 2030.

Além da aviação, os combustíveis sustentáveis são importantes na descarbonização dos caminhões de grande porte, dada a limitação das soluções de eletrificação nesse segmento. O Brasil, nesse contexto, apresenta um mercado significativo, uma vez que mais de 50% da demanda energética do setor de transportes é proveniente do diesel, totalizando aproximadamente 30 bilhões de litros dedicados apenas aos caminhões. O governo já possui iniciativas como o biodiesel e o diesel verde (HVO), porém novas abordagens devem ser exploradas.

Está claro que a demanda por combustíveis sustentáveis já é uma realidade e deve crescer nos próximos anos à medida que novos países adotem mandatos de redução de carbono. Estamos nos estágios iniciais da produção de e-fuels, que são parte de um plano de longo prazo, e as vantagens em relação aos biocombustíveis são fatores que podem contribuir para o sucesso e escala de produção. Atualmente, os maiores desafios incluem o custo da energia renovável, incertezas nas políticas e regulamentações, além das próprias tecnologias de captura de carbono e eletrólise para produção de hidrogênio verde. Em resumo, o desenvolvimento do mercado de e-fuels é um esforço conjunto que requer a colaboração entre governos, fabricantes, companhias aéreas e indústrias para ser bem-sucedido.

 
Por Sergio Eminente
Sócio da Kearney especializado no setor automotivo.
Fonte: Valor Econômico
Fique informado em tempo real! Clique AQUI e entre no canal do Telegram da Agência UDOP de Notícias.
Os artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não representando,
necessariamente, a opinião e os valores defendidos pela UDOP.
Mais Lidas