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Opinião

Aeronaves no agronegócio: dedução para fins de Imposto de Renda
Publicado em 22/08/2024 às 10h24
Foto Notícia
No começo deste mês de agosto, a Receita Federal informou que havia iniciado uma operação especial de fiscalização, intitulada Operação Declara Agro – Aeronaves. Segundo o comunicado, essa operação “(…) visa promover a conformidade tributária dos contribuintes do Imposto de Renda sobre a Pessoa Física (IRPF) que exploram a atividade rural e que efetuaram despesas de aquisição, operação ou manutenção de aeronaves não enquadradas como despesa da atividade rural para fins de IRPF”.

O comunicado prossegue informando que, na apuração do resultado tributável da atividade rural, os “(…) utensílios e bens, tratores, implementos e equipamentos, máquinas, motores, veículos de carga ou utilitários devem ser de emprego exclusivo na exploração da atividade rural”. Como consequência, em seu entendimento as “(…) aeronaves destinadas ao transporte de pessoas, ainda que utilizadas para atividades comerciais, administrativas e de gestão dos negócios ligados ao agronegócio, não se enquadram como utilizadas exclusivamente na atividade rural. Dessa forma, esses gastos não podem ser considerados como essenciais para fins fiscais”.

A Receita Federal ainda alertou que os contribuintes que receberem comunicados particulares têm até o dia 31/8/2024 para regularizar sua situação, com a exclusão das despesas e recolhimento de eventuais diferenças de IR. Caso contrário, a própria Receita realizará a exigência, com imposição de multa de ofício de 75%.

Frente a esse cenário, este breve artigo traz algumas reflexões sobre a dedutibilidade das despesas com aeronaves no exercício da atividade rural.

Retrospecto

Inicialmente, observamos que a opinião da Receita Federal sobre o tema já era conhecida. Ela consta do documento “Perguntas & Respostas IRPF”, disponível no sítio da Receita na internet. Para o ano de 2024, trata-se da pergunta nº 540. Também foi divulgada a Solução de Consulta Cosit nº 204/2023, em resposta a questionamento de contribuinte.

Em seus termos: “Para o produtor rural pessoa física, somente pode ser deduzido como despesa, para fins de apuração do resultado da atividade rural, o custo com aquisição de aeronave para uso agrícola, desde que essa aeronave seja utilizada exclusivamente na exploração da atividade rural desenvolvida pelo produtor, podendo, nesse caso, serem deduzidas as despesas relacionadas com manutenção e utilização dessa aeronave”.

Visão da Receita

O posicionamento da Receita Federal decorre do Regulamento do Imposto de Renda de 2018, o RIR/2018 (Decreto nº 9.580/2018). Seu artigo 55 estatui, no “caput”, que os investimentos serão considerados despesas no mês do pagamento.

O § 1º dispõe: “As despesas de custeio e os investimentos são aqueles necessários à percepção dos rendimentos e à manutenção da fonte produtora relacionados com a natureza da atividade exercida”. O § 2º lista o que seria considerado investimento na atividade rural, entre os quais: “aquisição de utensílios e bens, tratores, implementos e equipamentos, máquinas, motores, veículos de carga ou utilitários de emprego exclusivo na exploração da atividade rural; (…)” (inciso III – destacamos). Uma aeronave, que não seja de uso restrito, por exemplo, para pulverização, não seria de emprego exclusivo na atividade rural.

Por isso, não seriam dedutíveis as despesas com aeronave para transporte de passageiros, mesmo para a hipótese de um grande produtor rural, proprietário de extensas áreas em diferentes partes do país, que a utiliza para se deslocar com certa rapidez.

O ponto, para a Receita, não seria a constatação ou não de essas despesas serem incorridas com a realização de transações ou operações da atividade rural e para a manutenção e melhoria da fonte produtora da renda. Mesmo que assim seja, se o emprego do bem não for exclusivo, a despesa será indedutível. Em outras palavras, o bem, em sua configuração, deve excluir outras possíveis formas de utilização, que não na exploração direta da atividade rural.

Daí que a Receita chega ao ponto de entender que a exigência de emprego exclusivo tornaria indedutível inclusive as despesas com bens que potencialmente poderiam ser utilizados de outro modo, pois já não seria de “emprego exclusivo na exploração da atividade rural”.
Ponto de vista

A despeito da base no RIR/2018, discordamos da compreensão da Receita. O fazemos por três motivos principais.

O primeiro e mais imediato é que não há base legal para a redação do inciso III do § 2º do artigo 55 do RIR/2018, na parte em que estabelece que, para a dedutibilidade, os bens devem ser de emprego “exclusivo” na exploração da atividade rural.

Com efeito, a lei utilizada como fundamento para todo o artigo 55 do RIR/2018 é a Lei nº 8.023/1990, a qual dispõe a propósito da legislação do IR sobre o resultado da atividade rural. Seu artigo 4º estatui que se considera resultado da atividade rural a diferença entre os valores das receitas recebidas e das despesas pagas no ano-base (“caput”).

Também consta que os investimentos são considerados despesas no mês do efetivo pagamento (§ 2º). Por sua vez, o artigo 6º dispõe: “Considera-se investimento na atividade rural, para os propósitos do art. 4º, a aplicação de recursos financeiros, exceto a parcela que corresponder ao valor da terra nua, com vistas ao desenvolvimento da atividade para expansão da produção ou melhoria da produtividade agrícola”.

Não há a exigência de que utensílios, bens, equipamentos, máquinas, veículos de carga ou utilitários sejam de emprego exclusivo na exploração da atividade rural. A exigência da exclusividade não tem amparo legal. Trata-se de restrição criada por decreto, o RIR/2018.

Ocorre que, como se sabe, para fins de apuração tributária vigora a legalidade. É vedado exigir tributo sem lei que o estabeleça (artigo 150, I, da Constituição e artigo 9º, I, do CTN). Por consequência, eventuais restrições a deduções, que levam a aumento de tributação, precisam estar fixadas em lei. Não basta a previsão em decreto.

É o quanto basta para concluir que o posicionamento da Receita Federal destoa do tratamento contido no ordenamento jurídico nacional: a exigência de emprego exclusivo não tem base legal.
Censores do contribuinte

Há um segundo motivo para concluir pela incorreção da posição oficial, este de caráter mais profundo.

Nos termos do artigo 43 do CTN (que explicita ideia já contida na Constituição Federal), renda é o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos e outros acréscimos patrimoniais. Assim, para identificar a renda auferida no exercício de uma atividade econômica, devem ser deduzidas as despesas incorridas para a realização das transações ou operações relativas a essa atividade (artigo 311 do RIR/2018). Se essas despesas não forem deduzidas, não será tributada a renda, mas outra realidade econômica, mais próxima da receita.

Ponto importante é que não cabe à administração fiscal e seus auditores atuarem como uma espécie de censores do contribuinte que explora a atividade econômica, para julgarem quais seriam as despesas que, a seu (da administração e seus auditores) juízo subjetivo, seriam necessárias. O conceito de necessidade diz respeito àquelas despesas que são apropriadas, adequadas, relativas à atividade econômica. A avaliação é objetiva.

Por decorrência, retomamos a hipótese de um contribuinte proprietário de grandes áreas rurais, em diferentes partes do país, muitas delas de difícil e demorado acesso, que se utiliza de uma aeronave para acessá-las com maior facilidade e rapidez, permitindo a melhor exploração da atividade econômica. Nos parece claro que a despesa com essa aeronave é apropriada à atividade econômica e, como tal, necessária e dedutível.

A bem da verdade, a exigência de exclusividade pode ser juridicamente aceitável quando posta como condição para usufruir de um regime tributário favorecido. Nessa hipótese, o tratamento especial pode se dar exclusivamente para certas situações. Dessa forma, se o contribuinte pretende o tratamento mais benéfico, ele deve se adequar. Em tais casos não há obrigação, nem restrição à disciplina normal.

Exemplos desses casos são a amortização acelerada de bens intangíveis vinculados à pesquisa e à inovação tecnológica (artigo 335 do RIR/2018), o regime do Programa de Alimentação do Trabalhador (artigo 641 do RIR/2018), o benefício para películas cinematográficas (artigo 764 do RIR/2018). Também podem ser mencionadas as previsões contidas nos artigos 876, 880, 881 e 886 do RIR/2018. Em todos eles, a exigência de exclusividade é colocada dentro da disciplina de um regime tributário especial.

É algo distinto — e inaceitável — exigir a exclusividade e com isso acarretar a indedutibilidade de despesas necessárias para a obtenção da renda. Em tal caso, a imposição da exclusividade distorce a realidade, pois despesas incorridas na exploração da atividade são desconsideradas, somente porque o bem é utilizado em funções administrativas ou comerciais da atividade empresarial (como se essas atividades fossem desnecessárias/supérfluas) ou porque o bem poderia ser utilizado com outros fins.
Isonomia

A terceira razão consiste no respeito ao princípio da isonomia. É descabido aceitar, para outras atividades, a dedutibilidade de despesas com bens que não sejam de emprego exclusivo na atividade econômica explorada, mas impor essa exigência para a exploração da atividade rural. Não há razão (correlação lógica) para essa diferenciação — aceitar ou não a dedutibilidade — em função do tipo de atividade econômica explorada, em desvantagem para a atividade rural.

Infelizmente, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem decisões alinhadas à posição da Receita Federal, chancelando a desigualdade. No acórdão 2402005.465 foi decidido: “Tendo o fisco demonstrado que as aeronaves não eram utilizadas exclusivamente na atividade rural, devem ser mantidas as glosas de despesas com estes meios de transporte” (no mesmo sentido e com o mesmo contribuinte o ac. 2202002.943).

Contraditoriamente, a decisão é diversa, aceitando a dedutibilidade de gastos com aeronaves utilizada na atividade econômica, quando não se trata de produtor rural pessoa física, como se constata dos acórdãos 1301001.784 (empresa do agronegócio) e 9101-005.814.
Enfim, nossa opinião é que a operação deflagrada pela Receita Federal não está em bons termos jurídicos e os contribuintes produtores rurais têm razões para sustentar a dedutibilidade com gastos com aeronaves, relacionados à atividade rural de forma ampla, ainda que para operações comerciais e administrativas.
Jimir Doniak Jr.
é advogado, mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC-SP. Fonte: Consultor Jurídico
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