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Em vez de elétricos puros, veículos híbridos, com biocombustíveis, são o futuro, diz especialista
Em entrevista à Agência FAPESP, o pesquisador Luiz Augusto Horta Nogueira compara diferentes cenários para o futuro do setor automotivo. Ele será o palestrante da 10ª Conferência FAPESP 2024
Publicado em 28/11/2024 às 09h21
Foto Notícia
Horta é professor de sistemas energéticos na Unifei e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp
(foto: acervo pessoal)
O Brasil é referência mundial na produção e uso de biocombustíveis, que respondem, atualmente, por cerca da metade do consumo de combustíveis no país. Isso se dá duas maneiras: ou pela utilização direta em veículos flex ou pela mistura com a gasolina ou o diesel. O percentual de etanol adicionado à gasolina, fixado atualmente em 27%, deverá subir para 35%. E existem estudos densos que atestam a viabilidade desse aumento. Entre outros resultados positivos, os biocombustíveis têm contribuído de forma muito expressiva para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) – o que é extremamente relevante no atual contexto de crise climática global.

No entanto, há uma tendência mundial de eletrificação do transporte, respaldada por bons argumentos ambientais e fortes interesses econômicos. De tal forma que o Brasil se encontra hoje diante de uma encruzilhada: manter o emprego de biocombustíveis e aumentar a sua participação na matriz energética ou aderir aos veículos elétricos. Quais são os prós e os contras de uma opção ou outra? É possível combinar as duas coisas? Estes são temas que deverão ser explorados pelo pesquisador Luiz Augusto Horta Nogueira na 10ª Conferência FAPESP 2024: “O Futuro dos Combustíveis para a Mobilidade no Brasil”.

Horta Nogueira é professor de sistemas energéticos na Universidade Federal de Itajubá (Unifei), pesquisador associado do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade Estadual de Campinas (Nipe-Unicamp) e consultor em planejamento energético, eficiência energética, bioenergia e aspectos ambientais dos sistemas energéticos em agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e de bancos de desenvolvimento. Foi diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e pesquisador visitante em várias entidades internacionais.

A 10ª Conferência FAPESP 2024, a última agendada para este ano, será apresentada amanhã (29/11), das 10h às 11h30, no Auditório da FAPESP.

Nesta entrevista, o pesquisador adiantou para a Agência FAPESP alguns tópicos que deverá abordar no evento.

Agência FAPESP – O Brasil tem uma longa e exitosa história em biocombustíveis, mas o mundo está adotando a eletrificação. E existem fortes pressões nesse sentido. Neste contexto, a pergunta que se coloca é se existe futuro para os biocombustíveis no Brasil – ou, dito de forma ainda mais provocativa, haverá biocombustíveis no transporte do Brasil no futuro?

Horta Nogueira – Tenho certeza de que muita gente acha que o futuro é a eletrificação. Mas é muito pouco provável que a gente deixe de usar combustíveis. Não apenas porque existem quase 2 bilhões de carros usando combustíveis no mundo, mas porque é racional, é correto, é desejável usar motores a combustão. O que se espera, sim, é que esses combustíveis sejam renováveis, de baixo impacto ambiental, coisas em que o Brasil é pioneiro, é precursor. Desde praticamente o começo do século passado, o país decidiu adotar mandatoriamente uma adição de etanol à gasolina. E, com o programa do álcool em 1975, isso foi consolidado, expandido de tal forma que hoje temos uma posição de liderança no setor. Como engenheiro mecânico interessado em motores, não tenho nenhuma expectativa de que os motores a combustão venham a deixar de ser usados.

Agência FAPESP – O que a eletrificação pode aportar de bom?

Horta Nogueira – O ciclo Otto, que é o ciclo tradicional com gasolina, tem uma eficiência média da ordem de 25%. O carro elétrico apresenta uma grande vantagem, que é a frenagem regenerativa. Enquanto você vai freando o carro, em vez de jogar fora aquela energia cinética, ele carrega sua bateria. Essa é uma coisa inteligente. Não é uma grande novidade, mas uma contribuição importante. Agora, é possível ter todos os benefícios da eletricidade associados aos benefícios dos biocombustíveis. Como? Com os veículos híbridos. O veículo usa um motor a combustão para gerar eletricidade e essa eletricidade possibilita tocar as rodas. Então, você tem alto torque de partida, você tem frenagem regenerativa, mas com baixas emissões, usando combustível renovável. E a sua bateria pode ser muito pequena. O grande problema dos carros elétricos é o tempo de carregar a bateria, é o peso da bateria, é a vida útil da bateria, são os materiais estratégicos de que as baterias necessitam. Quando você pensa em um veículo híbrido, a bateria é um décimo do tamanho, é muito menor.

Agência FAPESP – Este é um tópico muito importante. O senhor pretende tratar do assunto na conferência?

Horta Nogueira – Sim. Vou apresentar alguns dados interessantes sobre veículos híbridos, que são realmente a opção atual para a eletrificação. Ninguém é contra a eletrificação, mas a gente é a favor de uma eletrificação inteligente, que não seja irracional, que leve em conta as baixas emissões, mas seja economicamente sensata. E, muito importante, que seja implementável. Este é um aspecto a ser levado em conta. Porque é possível introduzir rapidamente etanol na gasolina dos países. Bem rapidamente. E, à medida que o processo for avançando, introduzir a frota híbrida. O Brasil, de novo, é pioneiro nisso. Hibridização com motores a etanol, no ciclo Atkinson, permite combinar altas eficiências com baixas emissões. Estamos falando de eficiências superiores a 40%, 45%. Então, é o melhor dos cenários. Os japoneses compreenderam isso muito bem.

Agência FAPESP – Mas existe uma forte pressão europeia pelos elétricos, não é mesmo?

Horta Nogueira – Os europeus tomaram medidas precipitadas, sem um bom embasamento, e disseram que, a partir de 2030, deixariam de fabricar motores de combustão interna. Isso é um equívoco. É como querer fazer dieta tirando os pratos da casa. O problema não é o motor em si, mas o combustível usado no motor. Os motores são capazes de usar uma energia química que não precisa ser armazenada em baterias. Muitos partidários dos veículos elétricos dizem: nós vamos usar energia solar, vamos usar energia eólica para produzir eletricidade. Sim, mas essa eletricidade tem que ser armazenada. Para isso, ela pede baterias. E as baterias são custosas, têm impacto ambiental, são problemáticas. A energia solar está armazenada nos combustíveis. O que precisamos, sim, é distinguir os tipos de combustíveis: os derivados do petróleo não têm futuro, pelo impacto ambiental indesejável, pelo esgotamento das reservas; mas os biocombustíveis tendem a se tornar cada vez mais importantes.

Agência FAPESP – O Brasil não corre o risco de ficar falando sozinho?

Horta Nogueira – O Brasil tem um pioneirismo nisso, mas não estamos sós. A Índia está caminhando nessa direção. E a recente reunião do G20 sobre energia, realizada em outubro deste ano em Foz do Iguaçu, deixou isso muito claro. Nós tínhamos lá duas visões: a visão de alguns países europeus de que era preciso privilegiar a eletrificação, e até mesmo o hidrogênio; e a visão dos asiáticos, principalmente das indústrias automotivas japonesas e coreanas, de que é importante usar o etanol, usar o biodiesel, mas principalmente o etanol. Isso ficou claro nos documentos finais.

Agência FAPESP – Tempos atrás, alguns especialistas diziam que a Índia não conseguiria adotar um programa robusto de produção de etanol veicular por dois motivos: em primeiro lugar, devido à forma da propriedade da terra, que é muito mais segmentada lá do que aqui; em segundo lugar, porque os indianos direcionavam suas lavouras de cana para a produção de açúcar, com o objetivo de atender a uma população que, na época, era a segunda maior do mundo e, agora, tornou-se a primeira. O que mudou?

Horta Nogueira – A Índia mudou. Ela ocupa atualmente a quinta posição no ranking dos maiores produtos internos brutos do mundo, com uma economia integrada, mais forte do que a brasileira. Desnecessário chamar a atenção para a importância da ciência e da tecnologia no desenvolvimento da Índia. Bem, por uma ação na qual, inclusive, o Brasil teve um papel importante, por meio do Itamaraty, dos embaixadores brasileiros em Nova Delhi, os indianos entenderam que, em vez de depender de combustíveis fósseis importados e de vender açúcar a preço vil, poderiam produzir biocombustíveis localmente. As questões que você aponta são pertinentes. A Índia não tem um modelo de produção de cana similar ao brasileiro, que é um modelo integrado com a indústria. Esse é um desafio para a Índia. No Brasil, existe um sistema que combina as terras próprias das usinas, as terras arrendadas pelas usinas e as terras de produtores de cana que atuam em estreita relação com os compradores. Então, é possível ter um programa de variedades adequado, um programa de corte no melhor ponto de maturação, toda uma logística consistente. São desafios que os indianos terão de enfrentar. Mas não tenho dúvidas de que eles têm capacidade para isso. Tanto é que já elaboraram um programa avançado para a introdução de veículos flex fuel, como nós temos. E, a partir do ano que vem, vão começar a vender etanol nos postos de gasolina e implementar também um programa de mistura de 20% de etanol à gasolina. Vamos lembrar que, no ano passado, juntamente com o Brasil e outros países, a Índia promoveu a criação da Global Biofuel Alliance. Essa iniciativa foi anunciada durante a cúpula do G20 realizada em Nova Delhi. São coisas que realmente nos entusiasmam.

Agência FAPESP – Outro dado importante que o senhor mencionou, da reunião do G20 em Foz do Iguaçu, foi o posicionamento das montadoras japonesas e coreanas em relação aos biocombustíveis. Elas têm hoje uma presença muito forte no mercado automobilístico global.

Horta Nogueira – As indústrias vietnamitas também aderiram. Veja: qual é a maior montadora do mundo hoje, fazendo 12 milhões de carros por ano? É a Toyota. Enquanto a Volkswagen está falando em fechar três fábricas e a indústria norte-americana vive uma situação difícil, a Toyota consegue ir para frente. Em relação aos combustíveis, ela tem uma posição que eu chamaria de agnóstica. Trabalha com vários cenários: com veículos elétricos, com veículos a hidrogênio, mas está, até onde eu posso entender, até onde eu tenho visto, francamente comprometida com os veículos híbridos, flexíveis, usando etanol para os países que tenham condições de adotá-lo, como é o caso do Brasil, como é o caso da Índia, como é o caso também de outros países que reconhecem que podem importar etanol em vez de importar combustíveis fósseis. A Toyota já tem, há mais de dez anos, um veículo híbrido que é um sucesso: o Prius. Com um motor elétrico tocando as rodas do veículo e um motor a combustível gerando eletricidade, você elimina uma série de problemas associados à eletrificação: o tamanho da bateria, o tempo de abastecimento, o desempenho. Na comparação, não tenho dúvidas de que o mercado para os veículos eletrificados com bateria se encontra estagnado. Enquanto o Tesla vive um momento difícil, os modelos híbridos estão se expandindo. Eu falei da Toyota. Mas não é só a Toyota. A Honda, a Nissan, a Suzuki, a Mazda também estão pensando nos híbridos com biocombustíveis.
 
José Tadeu Arantes
Fonte: Agência FAPESP
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