União Nacional da Bioenergia

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A produção de biocombustíveis no Brasil não interfere na produção de alimentos
Não há competição entre elas. Discursos contrários devem ser recebidos com cautela, principalmente no ano da COP no País
Publicado em 10/02/2025 às 09h16
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A corrida contra o tempo para minimizar os impactos das mudanças climáticas não pode justificar soluções superficiais e unidirecionais. Há interesses econômicos e tecnológicos de todos os lados, em um movimento compreensível que precisa ser alinhado com realidades regionais.

A transição energética demanda um equilíbrio cuidadoso com os aspectos alimentar e ambiental. O Brasil, líder em biocombustíveis e com uma entre as matrizes mais limpas e renováveis do planeta, tem 50% da oferta primária de energia gerada a partir de fontes renováveis, e ao considerarmos apenas a matriz de produção de eletricidade o índice de fontes renováveis sobe para 85% – os dados são da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Comparando o Brasil com países desenvolvidos, onde a geração de eletricidade é majoritariamente proveniente de fontes fósseis e finitas, nossa posição privilegiada não desperta apenas admiração. Alguns fatores na ordem da vitrine global são abundantes no Brasil, entre eles os recursos minerais e a capacidade de produção de alimentos e de energia sustentável. Nesse ponto, os biocombustíveis assumem o protagonismo para o País e naturalmente a necessidade de enfrentarmos barreiras temáticas levantadas por blocos econômicos desenvolvidos, mas com menor competitividade agrícola.

Ao endereçarmos a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa na mobilidade, o Brasil é o único país, atualmente, em condições de oferecer a maior gama de alternativas tecnológicas apoiadas na diversidade dos bioenergéticos. Todas as rotas tecnológicas são parte da solução para a descarbonização na mobilidade e temos nos biocombustíveis a maior vantagem competitiva e oportunidades socioeconômicas.

Biodiesel, biogás, biometano, etanol e o enorme potencial para HVO, hidrogênio verde e SAF (sustainable aviation fuel) fazem do Brasil um país estratégico para o atendimento das demandas globais e metas setoriais de descarbonização, sem deixar de lado a eletrificação, híbrida ou pura, gerada a partir de fontes limpas e renováveis. Qual outro país com dimensões continentais, bom mercado consumidor e localização estratégica pode apresentar tal cenário?

O biocombustível é derivado da biomassa recente (não fóssil), sendo matéria orgânica utilizada para produção de energia.

O etanol é o energético mais limpo disponível para a frota circulante de veículos e até como matéria-prima no processo de produção de outros biocombustíveis. Somos o único país que dominou plenamente o ciclo produtivo da cana-de-açúcar, oferecendo uma solução socioeconômica eficiente para descarbonizar o transporte. Mas a cana-de-açúcar não é a única fonte de produção de etanol. A área utilizada no Brasil para produção de etanol não ultrapassa 1% do território, incluindo as áreas utilizadas para produzir o etanol de milho, que utiliza o milho de segunda safra. Há pesquisas avançadas que indicam a possibilidade de o País dobrar a produção de etanol em uma década sem o correlato aumento da área cultivada. A produção do etanol de primeira e segunda gerações representa o maior exemplo de sucesso em um processo circular de captura de carbono e entrega de energia limpa, e está em desenvolvimento o etanol de terceira geração a partir da biomassa marinha, além de outros processos de produção a partir de culturas regionais – fontes: União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), União Nacional da Bioenergia (Udop) e Embrapa.

Em termos de competição com a produção de alimentos, não há risco de a produção de biocombustíveis no Brasil afetar a capacidade da entrega nutricional e alimentar. O território tem 851 milhões de hectares, sendo 65% de vegetação nativa (554 milhões de hectares). Dos 35% restantes, 30% são áreas de agricultura e pastagens, equivalentes a quatro vezes o tamanho da França. A área destinada à agricultura no Brasil ocupa 9,5% do território, e as áreas de pastagens ocupam pouco mais de 20% do território. Porém, 28 milhões de hectares de pastagens são degradados e plenamente recuperáveis, os quais poderão adicionar, com sustentabilidade, até 35% de área para agricultura nos próximos anos. Assim, a área para plantio, que hoje ocupa com folga 9,5% do território nacional, subirá para 109 milhões de hectares, ou pouco mais de 12% do território – fontes: Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para efeito de comparação, as áreas de pastagens e agricultura nos Estados Unidos, na França e na Alemanha ocupam, respectivamente, 36%, 45% e 46% do território de cada país.

A produtividade agrícola brasileira é invejável e o clima em algumas regiões do país favorece a produção de até três safras anuais. Isso, aliado à elevada tecnologia do agronegócio brasileiro, nos torna uma potência para produzir biocombustíveis e alimentos, enquanto outros países convivem com apenas uma safra anual.

Biocombustíveis como diesel verde ou HVO, biodiesel e SAF utilizam matérias-primas renováveis, resíduos de biomassa, gorduras de origem vegetal e animal e diversos resíduos das atividades agroindustriais, que em geral não serão utilizadas como alimento. Em adição, parte desses resíduos, ao ser utilizada na produção dos biocombustíveis, evita o descarte na natureza e um passivo ambiental. O Brasil descarta, anualmente, 350 milhões de toneladas de resíduos ricos em carboidratos, e, de acordo com o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o País produz mais de 800 milhões de toneladas de resíduos orgânicos e só 2% têm destino correto, ou seja, 780 milhões de toneladas vão para os aterros sanitários. Os dados são da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Petrobras, Embrapa e Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Por fim, mas não menos importante, temos a produção de biogás, basicamente constituído por metano produzido na decomposição anaeróbica. Obtido por fermentação em biodigestores de resíduos agrícolas, em aterros sanitários e em estações de tratamento de esgoto, o biogás é um combustível renovável com menor pegada de carbono que o gás natural e, quando purificado em um processo que o leva à condição de biometano, resulta em um combustível que emite, no mínimo, 70% menos dióxido de carbono, e dependendo da fonte pode chegar a 90% de redução, comparado aos combustíveis fósseis em ciclo do poço à roda – fontes: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás).

A segurança energética vai muito além de garantir a produção e o abastecimento de biocombustíveis e de eletricidade. O desafio passa pela produção, distribuição logística, gestão do armazenamento e entrega na ponta consumidora, em um país com dimensões continentais e diversidades regionais. O mesmo desafio, de forma análoga, pode ser visualizado na segurança alimentar, passando pela produção do alimento, distribuição, armazenamento, acessibilidade e gestão do desperdício. Os dois cenários requerem alinhamento de políticas públicas responsáveis, com visão socioeconômica e ambiental, abordando, também, as questões básicas de educação e desenvolvimento de competências, que atrairão os investimentos necessários para que todas as demandas em curto, médio e longo prazos sejam atendidas.

A transição energética requer políticas que integrem diversificação de fontes, planejamento territorial sustentável e inovação tecnológica. A diversificação garante resiliência e reduz os riscos de dependência. O Brasil está no caminho certo com as recentes políticas públicas implementadas para os objetivos da descarbonização. Contudo, fica claro e evidente, pelos dados expostos, que não há competição entre a produção de biocombustíveis e a produção de alimentos. Discursos contrários a isso devem ser recebidos com cautela, principalmente em um ano de Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP-30, no País.
Orlando Merluzzi
Gestor do Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCB)
Fonte: Estadão
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