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China acelera transição para energia limpa e tenta tirar indústria da dependência do carvão
País atingiu meta de capacidade instalada de fontes solar e eólica seis anos do previsto e quer mais
Publicado em 27/09/2024 às 14h50
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O mar de painéis solares cobrindo uma área duas vezes maior que Manhattan na região noroeste de Xinjiang e as lâminas de uma turbina eólica offshore da altura da Torre Eiffel perto da ilha de Hainan refletem a magnitude das ambições de energia renovável da China.

A escala e o ritmo da transição do país para se distanciar dos combustíveis fósseis superaram as previsões internacionais e excederam as próprias metas de Pequim, colocando o resto do mundo em alerta.

Em julho, a China atingiu sua meta de ter 1.200 gigawatts de capacidade instalada de energia solar e eólica —suficiente para abastecer centenas de milhões de lares a cada ano— seis anos antes do previsto. E há mais por vir: cerca de dois terços de todos os novos projetos dessas fontes em construção no mundo estão acontecendo na China.

Para fornecer eletricidade renovável gerada em cantos distantes do país para as cidades e fábricas onde é necessária, a previsão é que a China gastará cerca de US$ 800 bilhões (R$ 4,34 trilhões) até 2030 para modernizar a rede de transmissão e seu software subjacente.

Essas medidas estão no centro dos planos para atingir duas metas de Xi Jinping para a China: atingir o pico de emissões de carbono até 2030 e alcançar a neutralidade (net zero) até 2060. Alcançar esses objetivos tem o potencial de não apenas transformar a economia, mas também turbinar a influência global.

Mas para completar a transição do carvão para as energias renováveis, as autoridades chinesas precisam implementar uma reforma politicamente tóxica do sistema elétrico, um processo longo e espinhoso que já se arrasta há décadas.

De acordo com especialistas, essa peça importante do quebra-cabeça envolve dar um golpe no poderoso setor estatal do carvão e estabelecer um sistema baseado em mercado para despachar eletricidade limpa para as regiões da China.

"Será necessária uma maior liberalização do setor elétrico para uma maior descarbonização", diz David Fishman, analista de energia da consultoria The Lantau Group, sediada em Xangai. "Não é uma máxima universal, mas é a realidade para a China neste momento."

Os investimentos em renováveis vêm enquanto a China busca desesperadamente novos motores de crescimento a longo prazo. O Politburo, órgão executivo de formulação de políticas do Partido Comunista Chinês, disse na quinta (26) que forneceria maior apoio fiscal à economia poucos dias após o banco central anunciar um grande estímulo monetário.

Muitos economistas estão recomendando que o governo estimule o crescimento deixando as forças de mercado desempenharem um papel maior na economia —algo que a proposta de reforma do mercado de energia alcançaria.

O impacto ambiental de uma China mais limpa é significativo não apenas para seus 1,4 bilhão de habitantes ou para as empresas que compõem a segunda maior economia do mundo, mas para o planeta. Por décadas, a China desempenhou o papel de fábrica do mundo e era de longe o seu maior poluidor, responsável por cerca de 30% das emissões globais.

Se as coisas correrem como Xi deseja nos próximos anos, haverá uma mudança neste quadro. "Considerando a importância da escala de tudo o que a China faz, atingir ou exceder quase todas as metas de transição energética tem impactos de longo alcance para o clima e objetivos globais de redução de emissões", avalia Xuyang Dong, analista de energia da China no think-tank Climate Energy Finance.

A descarbonização também é fundamental para desbloquear uma ambição antiga de Xi de independência energética para o país, um impulso estratégico significativo no momento que o país trava uma guerra comercial com os EUA e outras partes do mundo ocidental.

A rápida adoção de tecnologias verdes pela China —e a consequente redução da dependência a longo prazo das importações de energia— já está moldando os cálculos geopolíticos de Pequim, diz Ilaria Mazzocco, pesquisadora sênior e especialista em indústria chinesa no Center for Strategic and International Studies, um think-tank dos EUA.

Reduzir a necessidade de gás barato da Rússia complica a boa relação de Vladimir Putin com Xi, de quem ele tem dependido para sustentar a economia russa atingida por sanções após a invasão da Ucrânia. Isso também muda a dinâmica entre Pequim e o mundo árabe rico em petróleo, uma região de crescente influência chinesa e declínio americano.

Tornar a economia da China "mais limpa" também pode fortalecer as capacidades de fabricação doméstica de tecnologias das quais outros países dependerão para suas próprias transições verdes. Isso apoia os planos de Xi de impulsionar o crescimento por meio de exportações de tecnologia limpa, incluindo turbinas eólicas, painéis solares, veículos elétricos e baterias de lítio.

"A China poderia ser, por um lado, muito menos dependente de outros países, e por outro, poderia tornar outros países muito mais dependentes da China", destaca Mazzocco.

Pequim há muito determinou grandes ambições para sua transição verde. Mas ambientalistas dentro e fora da China permanecem céticos de que o país algum dia se livrará da dependência do carvão.

Nas duas décadas após o início do século 21, as emissões da China provenientes da queima de combustíveis fósseis aumentaram cerca de 245% para cerca de 11 gigatoneladas em 2021 —mais do que o dobro dos EUA, o segundo maior poluidor do mundo.

Durante anos, a maior oposição política à reforma veio das empresas estatais ligadas ao carvão da China, juntamente com a State Grid e a China Southern Power Grid —os dois grupos estatais responsáveis pela distribuição e transmissão de eletricidade para todo o país.

Há anos, a indústria do carvão resiste a um sistema de rede mais flexível que beneficie as renováveis e tem se mostrado um obstáculo muito significativo para qualquer reforma, comenta Li Shuo, um dos principais analistas mundiais de política climática e energética da China. Shuo aponta que, do ponto de vista do operador da rede, houve "um incentivo político muito forte" para priorizar a energia a carvão às custas das fontes de energia renováveis.

Mas o progresso tecnológico pode ajudar a "contornar esses impasses políticos", diz Li, diretor do China Climate Hub no Asia Society Policy Institute nos EUA. "Se o hardware for competitivo em termos de custo, você será capaz de resolver os problemas", avalia Li. "Essa é sempre a maneira mais fácil de conseguir as coisas e fazer progressos na China."

Nos primeiros sete meses do ano, Pequim investiu 294,7 bilhões de iuanes (R$ 228,6 bilhões) em projetos de transmissão, um aumento de 19% em relação ao mesmo período de 2023, segundo dados do CEF (Climate Energy Finance).

Os níveis de gastos em todo o setor precisarão aumentar nas próximas décadas se a China quiser atingir as metas de carbono de Xi, afirma Dong, do CEF. Ken Liu, chefe de renováveis, utilidades e pesquisa de energia da China no UBS, aponta que duas outras tendências (aumento da demanda doméstica de energia e grandes escaladas militares no exterior) também podem dificultar a realização do sonho verde de Xi.

Muitos especialistas assumiram que o crescimento da demanda por energia na China estagnaria após o colapso do setor imobiliário do país. Em vez disso, está superando o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), devido a uma combinação de maiores volumes de exportação —principalmente remessas de veículos elétricos, baterias e painéis solares— junto com a eletrificação do sistema de transporte do país e o boom em IA e armazenamento de dados.

Isso aumentará a pressão sobre os preços da energia em um momento de gastos de capital sem precedentes.

Xi resumiu anteriormente a transição da China para a energia limpa através da frase: "xian li hou po": "primeiro construir, depois destruir". Até agora, construir energias renováveis tem sido a parte fácil. Integrar novas fontes de energia, diversas e intermitentes, é muito mais desafiador.

Em todo o país, muitas cidades e regiões já atingiram seus limites. Mais de cem condados e cidades suspenderam novas operações solares de pequena escala de se conectarem às linhas de energia locais. Pelo menos 12 das 34 administrações provinciais do país começaram a solicitar que os operadores solares armazenem baterias para aliviar a rede elétrica sobrecarregada.

Mas além das baterias e linhas de energia, há a necessidade de estabelecer um mercado de eletricidade modernizado, afirmam especialistas.

Muyi Yang, analista sênior de políticas de eletricidade do think-thank Ember, apontou que, no Ocidente, os mercados de eletricidade foram criados para buscar eficiências de preço e o papel do estado caminha para a regulação. Na China, ele acrescenta, a "filosofia é diferente" e o principal motor é apoiar a integração de energia renovável.

Os mercados de eletricidade geralmente envolvem preços e informações sobre oferta e demanda em tempo real. Na China, o objetivo é garantir que todas as fontes de energia renovável disponíveis, que não tenham custos de combustível, sejam usadas, reduzindo assim a necessidade de combustíveis fósseis mais caros e poluentes.

Outro problema para Pequim é como quebrar a cadeia de acordos privilegiados entre compradores de energia e geradores de eletricidade, envolvendo milhares de grupos estatais que dominam a economia chinesa. "A questão real será: e quanto às inúmeras usinas de carvão que foram construídas sob algum acordo de compra que se presumia garantido?", acrescenta Fishman.
Edward White
Fonte: Folha de S. Paulo
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