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Saiba como a Nasa usa dados espaciais para ajudar nas lavouras
Setor da agência espacial une o agronegócio e satélites
Publicado em 10/02/2025 às 08h18
Foto Notícia
Antes da Nasa, Bradley Doorn trabalhou no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos — Foto: Divulgação
Um intérprete entre a linguagem científica e a do campo. Esse é um modo informal, mas ainda assim preciso, de definir o trabalho de Bradley Doorn, gerente de projetos ligados à agricultura da Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos.

Nascido há 62 anos na área rural de Dakota do Sul e com passagens pelo Exército e pelo Departamento de Agricultura americanos na bagagem, o cientista lidera uma equipe que ouve os diversos elos da cadeia agropecuária, do produtor rural a agências governamentais do mundo inteiro, a fim de entender as demandas desses agentes e como os dados que a agência coleta a partir do espaço podem ajudar na tomada de decisões no campo.

Segundo ele, atualmente, os principais projetos da Nasa têm relação com a sustentabilidade, o que inclui, por exemplo, informar ao agricultor como ele pode adaptar-se às mudanças de mercado e aos extremos climáticos para seguir com lucratividade. Outra frente é o monitoramento de choques de oferta de alimentos, como o decorrente da guerra entre Rússia e Ucrânia, que devastou muitas áreas rurais. No caso do Brasil, conta, o foco principal é identificar as mudanças na cobertura do solo e na Amazônia.

Mas o maior desafio no momento, diz, é transformar a avalanche de dados em informações que os produtores rurais consigam usar na prática. A seguir, a entrevista com Doorn.

Globo Rural: Como foi o início da sua trajetória profissional?

Bradley Doorn: Eu nasci e fui criado em uma cidade chamada Mitchell, que fica na área rural de Dakota do Sul. Meu pai era motorista de caminhão e transportava leite entre as fazendas e os laticínios, então, eu cresci em torno da agricultura. Quando fiquei mais velho, entrei na faculdade para estudar engenharia geológica, mas eu não tinha dinheiro para seguir com os estudos.

Então, ingressei no Exército, e lá me enviaram para estudar mapeamento de dados de satélites. Foi nesse trabalho que realmente desenvolvi o interesse pelo uso de dados de satélite para dar suporte a todos os tipos de coisas na terra, não apenas aos militares.

GR: E quando o trabalho com a agricultura começou a fazer parte da sua vida?

Doorn: Depois de dez anos no Exército, passei pela iniciativa privada e, em seguida, fui trabalhar em agricultura diretamente, no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o USDA. Durante esse período, comecei de fato a aprender como usar dados de satélite para avaliar a oferta de alimentos, os diferentes tipos de safras e os desafios dessa atividade.

Eu realmente gosto de ver o impacto que a adoção dessas novas tecnologias tem sobre o trabalho no campo. E quando você traz dados de satélites para analistas, profissionais, fazendeiros ou economistas, é como se acendesse uma lâmpada sobre suas cabeças e eles dissessem, “Ah, agora vejo como posso usar isso para tomar decisões”.

Eu passei a sentir que estava ajudando as pessoas por meio dessas informações, e isso me motivou. Consegui o emprego na Nasa para ajudar a supervisionar o uso de dados de satélite para necessidades agrícolas e a melhoria no aproveitamento de recursos hídricos. Ao todo, fiquei dez anos no Exército e cerca de dez anos no USDA. Na Nasa, já são 15 anos.

GR: Como é a sua rotina de trabalho?

Doorn: Meu trabalho é conectar toda a pesquisa e os dados de satélite às necessidades da comunidade agrícola. Eu tenho uma equipe de pessoas que está em contato direto com fazendeiros, com a agricultura, a indústria, com agências governamentais, e não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo.

Minha rotina é ficar em contato com eles para tentar ter certeza de que os escopos de trabalho estão bem definidos, em que iniciativas estamos tendo sucesso, para identificar se há algum problema e para ver de que modo posso ajudar minha equipe a ter sucesso. Às vezes, preciso me reunir com alguém para uma questão de orçamento, por exemplo. Em outros casos, vemos que estamos precisando da experiência de uma área diferente da Nasa ou da indústria, então, trazemos essas pessoas para a discussão.

"Muitos fazendeiros nos dizem que não precisam de mais informações, que eles já têm muitos dados. O que essas pessoas necessitam mesmo é de informações consistentes e confiáveis" — Foto: Divulgação

GR: Dentro dessa rotina, alguma área ou atividade é a mais relevante?

Doorn: Um trabalho que considero bastante importante é o da gestão de recursos hídricos. Muitos dos problemas da agricultura têm relação com excesso ou falta de água. Temos um programa completo de dados sobre isso, com tudo sobre clima e uso da água. Outra parte do meu trabalho é a colaboração com um grupo de observações da Terra ou com outras agências espaciais. Nós nos reunimos periodicamente para discutir o que podemos fazer juntos.

Temos vários satélites por vir, e uma tarefa relacionada a isso é pensar em como estamos conectando esses satélites às necessidades da agricultura. E então atuamos diretamente com as empresas e grupos que estão construindo esses satélites para ver se há maneiras melhores de usar esses dados e fornecê-los aos tomadores de decisão.

GR: Quais os principais projetos que estão sendo desenvolvidos no momento?

Doorn: Das iniciativas que temos hoje, podemos amarrar as maiores na área da sustentabilidade. Nesses trabalhos, podemos ajudar os agricultores a se adaptar às mudanças de mercado e das condições ambientais e às políticas que estão sendo adotadas, lembrando esses produtores que eles também têm que ganhar dinheiro em uma era de mudanças climáticas. Sustentabilidade também é economia.

Recebemos também solicitações de entidades agrícolas internacionais para ajudá-las a avaliar o impacto de choques de oferta de alimentos. O que pode acontecer se houver uma seca em uma parte do mundo ou se parte do mundo não puder mais exportar para uma determinada área? Esse tipo de monitoramento tem sido nosso trabalho ao longo de décadas.

GR: Há alguma iniciativa específica sobre mudanças climáticas?

Doorn: A mudança climática é uma maré presente em tudo isso. Ouvimos de produtores e da indústria perguntas sobre como tomar decisões sobre o futuro e sobre o que pode estar se transformando. Sabemos que os padrões climáticos estão mudando. Então, na busca por informações sobre as mudanças climáticas em suas pesquisas, a Nasa acaba fazendo essa tradução do cenário atual para os fazendeiros.

A partir disso, eles podem querer mudar a data de plantio ou talvez queiram um tipo diferente de híbrido de sementes em determinada temporada por causa dessa alteração nos padrões do clima. Os preços estão instáveis, e há problemas de segurança alimentar, então, fornecer informação confiável, estável, em uma era de mudanças climáticas é um dos nossos objetivos.

GR: Como a Nasa tem contribuído com o monitoramento de safra da Ucrânia durante a guerra com a Rússia?

Doorn: Esse é um bom exemplo de problema de choque de oferta de alimentos que mencionei, que pode ser causado por uma grande mudança climática ou forte alteração política. Temos o Nasa Harvest, nosso consórcio agrícola global, um programa que envolve uma série de parceiros. Com ele, conseguimos fazer uma avaliação mensal da agricultura global, usando dados de satélites para fornecer informações independentes.

O conflito na Ucrânia teve um grande impacto em todo o mundo. Os ucranianos nos perguntaram, e também por meio de sua parceria no G20, se poderíamos monitorar o que realmente estava sendo produzido durante a guerra. Fomos capazes de ajudar a Ucrânia a obter dados precisos sobre o que estava sendo cultivado e também entender o que estava acontecendo nas zonas de conflito.

GR: Como está a parceria da Nasa com o Brasil?

Doorn: Como o Brasil é um produtor agrícola tão importante, nosso principal foco tem sido entender as mudanças na cobertura do solo que estão acontecendo no país. Também trabalhamos para oferecer apoio na questão do uso da água.

Um dos projetos que fazem parte do programa da Nasa é o OpenET, que nos ajuda a entender as necessidades de irrigação das plantações. Ele ajuda também o Brasil a gerenciar e entender suas necessidades de água, não só a da superfície, mas também a água subterrânea. Temos colaborado com o Brasil há muito tempo, e a experiência do país está em um nível muito alto. A Nasa, junto com entidades e governos de todo o mundo, incluindo o do Brasil, também tem usado dados de satélite para monitorar a Amazônia há décadas.

GR: Em linhas gerais, qual é o maior desafio do segmento agrícola da Nasa atualmente?

Doorn: Eu acho que o maior desafio que temos agora é o fato de que há muita informação disponível. Há satélites sendo lançados tanto por empresas internacionais do setor privado quanto pela Nasa e outros países. Para além disso, você passa a contar com coisas como a IA (inteligência artificial), todas tecnologias produzindo respostas.

Acredito que, agora, o maior desafio é entender como podemos apresentar nossos dados, como os levamos ao público de uma maneira que essas informações ajudem as pessoas. Outro desafio é a necessidade crescente de os nossos cientistas e meteorologistas oferecerem previsões melhores. Muitos fazendeiros já nos disseram que eles não precisam de mais informações, que eles já têm muito. O que essas pessoas precisam é de informações consistentes, boas e confiáveis.

GR: E como estão os projetos da Nasa de plantio em outros planetas ou na Lua?

Doorn: Essa é uma pergunta frequente, eu a ouço o tempo todo, mas nunca tenho uma boa resposta para ela, porque é outra área da Nasa que trabalha nisso. É o programa de voo espacial humano, e nós somos o programa de observação da Terra. Há muito trabalho nessa área, mas eu não posso lhe dar uma resposta realmente boa para essa questão.

GR: Para finalizar, o que dá mais orgulho em sua trajetória profissional?

Doorn: São as pessoas. Tive a oportunidade de trabalhar em uma grande missão, em servir meu país, atender ao próximo, e isso ocorreu graças, também, a todas as pessoas ao meu redor, que realmente fizeram todo o trabalho. Eu sinto que tenho sorte de ter trabalhado com essas pessoas, e isso me deixa orgulhoso.

A tecnologia, o espaço, são coisas técnicas e muito interessantes, mas, no fim das contas, as descobertas são feitas por pessoas. Eu acho que nós estamos oferecendo melhorias para a humanidade, mudanças que ajudam a todos, dos países menos desenvolvidos aos grandes, Brasil, Estados Unidos, e assim por diante.
 
Por Nayara Figueiredo — São Paulo
Fonte: Globo Rural
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