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Só câmbio pode ajudar governo a deter alta de alimento, diz FGV Ibre
Para economistas, combate à inflação da comida é problema complexo, que exige soluções estruturais e envolve ações variadas
Publicado em 28/02/2025 às 07h57
Foto Notícia
A redução dos preços dos alimentos no Brasil é um desafio complexo, que combina fatores conjunturais, mas também estruturais, e requer uma abordagem multifacetada do governo, com políticas públicas de médio e longo prazo, como investimentos em pesquisa, infraestrutura e aumento da lucratividade via produtividade não só em grandes commodities exportadoras, mas também em culturas-chave no prato dos brasileiros. No curto prazo, o máximo que o governo pode fazer é proporcionar um ambiente macroeconômico que não contribua para a depreciação cambial.

Essa é a avaliação de pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) em apresentação ao Valor. Segundo eles, medidas intervencionistas que chegaram à mesa do governo, como o estabelecimento de cotas de exportação para produtos, não são recomendáveis. “Não existe solução fácil, e nós ainda vamos falar muito sobre alimentos nos próximos anos”, diz André Braz, pesquisador do FGV Ibre e coordenador dos índices de preços da instituição.

Mudanças climáticas, aumento da demanda interna e externa, diminuição da oferta por troca de cultura, aumento de preços internacionais, câmbio e concentração na distribuição são fatores que ajudam a explicar a inflação dos alimentos nas últimas décadas, segundo Francisco Pessoa Faria, pesquisador associado do FGV Ibre.

“Mudanças climáticas tornam a oferta mais restrita e estável. A seca no Nordeste, por exemplo, parece que teve impacto duradouro sobre a produção na região. Isso é combinado ao aumento de demanda. Desde os anos 2000, foi um período de aumento do PIB per capita e melhora da distribuição de renda, que significaram mais consumo. Houve ainda maior demanda externa, com a China ampliando a presença no mercado de commodities”, diz Faria.

Arroz

A conclusão, aponta, é que a produção de lavouras no Brasil não está crescendo o suficiente para atender a demanda de alimentos voltados para consumo humano. De 2010 a 2023, observa Faria, a área plantada de soja no Brasil cresceu 90%, a de milho, 74%, mas as demais culturas ficaram praticamente estagnadas. No caso do arroz, especificamente, Faria diz que parece haver troca de cultura.

“Foi a produção que mais caiu no Brasil. Houve perda de área de arroz para soja no Maranhão e no Piauí, por exemplo, mas também para outras culturas que são mais rentáveis. Alguns Estados estão deixando de produzir arroz porque a produtividade era muito pequena”, afirma Faria.

Ao mesmo tempo, 70% da produção de arroz brasileiro está concentrada no Rio Grande do Sul, uma região que tem apresentado clima volátil e imprevisível, observa Bráulio Borges, também pesquisador associado do FGV Ibre. “A gente tem de seguir aquela regra básica da economia de colocar os ovos em várias cestas”, afirma.

A partir de observações como essas é que Faria diz que criar cotas de exportação “parece um absurdo”, porque uma série de produtos com problemas nos preços não tem ligação com o mercado externo. Ele rebate o argumento de que beneficiar a exportação de alimentos tem aumentado a inflação no Brasil. “O fato de que o superávit comercial desses produtos significa um nível de taxa de câmbio menor possibilita um nível de preços também menor ”, diz Faria.

Ele cita também um estudo de Borges mostrando que outra saída constantemente aventada, de reduzir impostos para alguns setores, acaba virando mais margem para produtores do que queda de preços ao consumidor. Borges sugere que o governo pode avaliar questões como a das alíquotas de importação, para ver se o Brasil realmente cobra taxa muito alta, por exemplo, de importação de arroz da Ásia. “Também pode haver uma reorientação do Plano Safra para combinar uma política de preços mínimos em produtos que têm um alto peso no consumo doméstico”, diz.

Curto prazo

Mas, no curto prazo, o que o governo pode mesmo fazer é evitar pressionar a taxa de câmbio, dizem os especialistas. “Acho que realmente não tem muito o que fazer a não ser uma política macroeconômica que gere valorização cambial”, afirma Borges.

Ele observa que o repasse do câmbio à inflação está entre 8% e 10%, ou seja, uma depreciação cambial de 10% vira 0,8 a 1 ponto percentual (p.p) a mais no IPCA um ano à frente. Para a cesta básica - que inclui os principais alimentos das famílias brasileiras, além de itens como produtos de higiene -, no entanto, esse repasse é de 22%, segundo Borges. “E ele é muito mais rápido, quase instantâneo. Ou seja, a depreciação cambial do ano passado, da ordem de 25%, gerou um impacto muito relevante nos preços de alimentos nesse período mais recente. Se o câmbio se estabilizar no R$ 5,70, R$ 5,80 [por dólar] em vez de R$ 6,20, R$ 6,30, talvez, a gente possa observar algum alívio em relação ao preço dos alimentos”, afirma.

Em um cenário otimista, Braz projeta um IPCA de 5,29% neste ano, com a alimentação no domicílio subindo 6%. No cenário pessimista, o IPCA iria para 6,65%, e a alimentação no domicílio, para 11%. Uma “tempestade perfeita” afetou o preço dos alimentos em 2024, segundo Braz. “Houve [os fenômenos climáticos] El Niño, La Niña, depreciação do câmbio, maior demanda. Teve de tudo.”

Não existe solução fácil, e ainda vamos falar muito sobre alimentos” — André Braz

Os alimentos, na verdade, vêm pressionando o IPCA desde 2020, lembra Braz. De dezembro de 2019 para cá, os preços da alimentação no domicílio subiram 55%, enquanto o IPCA subiu 33%. “Se o IPCA indexa a maior parte dos salários, o salário andou mais devagar do que a alimentação”, afirma.

Na média, entre 2010 e 2016, a alimentação no domicílio respondeu por cerca de 21% do IPCA do período, aponta Braz. Entre 2017 e 2024, essa participação média subiu para 23%, sendo que em 2024 foi de quase 27%. “Gradualmente, a influência da alimentação na inflação média tem avançado, e isso é um desafio para a política monetária do Banco Central”, diz.

Inflação

Para a população, os impactos são mais sentidos pelas famílias de baixa renda. O peso da alimentação no custo de vida de quem ganhava entre 1 e 1,5 salário mínimo por mês passou de 18% em janeiro de 2018 para 22% em janeiro de 2025, segundo Braz, a partir de dados do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da FGV. Para famílias que ganham acima de 30 salários mínimos mensais, o peso da alimentação no domicílio passou de 9,2% para 11,3%. “Elas também perceberam o encarecimento dos alimentos, mas o comprometimento continua menor”, diz.

Olhando para uma série mais longa, Braz nota que, de janeiro de 2000 a dezembro de 2024, a inflação da alimentação já subiu 485%, enquanto a alta do IPCA é de 347%. “Dá uma diferença de 1,08% ao ano. É muita coisa”, afirma.

Borges pondera que o descolamento dos preços dos alimentos é um fenômeno global e perceptível desde meados da década de 2000. Alguns aspectos na oferta podem ajudar a explicar isso, como a queda na produção agrícola global, ligada à perda da produtividade, em parte pelas mudanças climáticas.

No Brasil, com dados do Ipea até 2021, ele observa que a produtividade da agropecuária no país cresceu 1,5% ao ano depois de 2012 - coincidindo com a estiagem crônica que o Brasil enfrenta desde então -, ante ritmo ao redor de 4% entre 1990 e 2000 e de quase 5% na segunda metade dos anos 1970.

Qualquer tentativa de solução para os preços dos alimentos que seja simples “com certeza vai falhar”, diz Faria. “Precisa tirar da cabeça ideias como a de que com safra grande, a inflação de alimentos cresce menos. A questão é de longo prazo, não vai ser resolvida no curto prazo, requer uma série de iniciativas ao mesmo tempo.”

Para ele, o que pode ser feito dentro de uma política não intervencionista é tornar outras culturas, para além da soja e do milho, rentáveis, aumentando sua lucratividade e produtividade. Ele cita também a redução de desperdícios, com estoques reguladores, aumento da silagem e infraestrutura. Borges menciona o estímulo à irrigação, mas pondera que, para isso, é preciso mapear as reservas de águas subterrâneas. Braz cita investimentos em cabotagem e ferrovias e no crédito ao pequeno produtor. “Mas essas coisas têm de ser distribuídas no tempo. Já se avisava há muito tempo que isso ia acontecer, se ninguém viu como prioridade, não tem estrutura para apagar esse incêndio, então, vamos ter de conviver com ele”, diz.
 
Por Anaïs Fernandes — São Paulo
Fonte: Globo Rural
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